Resenha por Solange Pereira Pinto
Visitar “Budapeste” pelos olhos verdes de Chico Buarque, que lá mesmo dizem nunca esteve, mais que uma viagem por sua fantasia é um encontro com o princípio de vida de um escritor; não somente do escritor autor ou do protagonista ghost writer, ora José Costa, ora Zsoze Kósta, mas com a necessidade de um princípio de unificação de qualquer escritor com sua escritura.
Debruçar nas 174 páginas, envolvidas por uma capa ocre de letras espelhadas, faz o relógio parar, o tempo repetir. A linguagem fluida, e muito bem construída, como é a marca do poeta-músico-trovador, conduz pela aparência simples aos intricados pensamentos e labirintos de aspirações.
Num rompente diria que a trama de Budapeste, que não intenciona mostrar a capital húngara, tão somente a aura de um cenário estrangeiro que se alterna com a conhecida paisagem carioca, para abrigar as incertezas de José Costa em ficar no Brasil, divertindo-se na própria língua, ou de partir para conhecer o magiar o transformará em Zsoze Kósta, revela o sentimento solitário de um escritor que ao narrar acontecimentos de vidas alheias descreve a própria existência; que ao emprestar suas palavras ao desejo e vaidade de um interlocutor que lhe contrata - para possuir uma voz que não lhe pertence – transforma-o em si mesmo e vice-versa. A mistura de identidades, a falta destas.
Entre passagens de um amor a o outro, de uma necessidade a outra, mostra a resignação, do escritor fantasma, pela fama do anonimato que lhe dá sustento e pela libertação que contém uma inquietação, embora dita por um autor inventado, que prefere o renome, comum a quem se esconde, a quem se promove e a quem só a escuta. A história revela que há um fio costurando todos a uma mesma vida que sobrevive de uma mixagem de palavras, fantasias e linguagens.
Aponta um fruto que é suculento de mastigar em qualquer tempo e que o sabor não se esvai por já ter sido mastigado, e nem importa por quem, mas porque o gosto continua a se perpetuar da fonte, para quem colhe ou cria, do ser humano que não se esgota em produzir palavras, inventar linguagens, em se comunicar para se distinguir, e em acreditar na sua natureza crescente, progressiva, que leva à evolução da espécie; fazendo-se imortal em páginas, páginas e páginas, não interessando muito quem seja o autor, pois sempre, na essência será ele mesmo – o Homem - e sua complexidade – razão, inteligência, sentimento e emoção humana – o que finalmente iguala ilustres e desconhecidos que buscam a si mesmos em suas histórias de vidas inventadas, assim como é.
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Romance Budapeste, Chico Buarque
Companhia das Letras 2003, 174 p.
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