Todas as mortes
Por José Renato Leite
Julho/2010.
O suicídio é um tema bastante denso, complexo e que o autor aborda de forma leve e criativa nesse livro. Embora difícil de ser tratado com leveza, Antonio Di Benedetto nos apresenta o assunto, em seu livro “Os suicidas” (Ed. Globo, 2005), com certo cuidado para não impactar e, para tanto, transita, de um lado, pelo mistério e que nos remete aos romances de Aghata Christie , por outro, de uma maneira mais exata trazendo dados e comparando diversas visões sobre o assunto. É claro que as estatísticas são ultrapassadas.
A narrativa é esquizofrênica e, como tal, corremos o risco de nos perdermos em seus devaneios e alienações. A ótica da religião defende o temor e a culpa como fatores que interditam a pessoa sob o jugo de uma autoridade Suprema e Criadora. Já os filósofos colocam a questão ao nosso livre arbítrio. Para eles, cabe a nós perscrutar os fatos e optar ou não pela vida. Penso que a maior inquietação de se afirmar tal escolha é saber que interrompemos o fluxo da vida, cujo dinamismo é constante. Hoje podemos desejar a morte e amanhã poderá ser tarde demais para desfrutarmos da vida.
Todos os aspectos ou critérios apresentados no livro não satisfazem qualquer tentativa de explicar o suicídio. Não há explicações para o inexplicável. A natureza humana jamais poderá ser totalmente revelada. São vários os fatores que contribuem para tal ato extremo e, portanto, faz parte da condição humana, muito embora, desumano.
Para deixar a leitura mais amena o livro tem algumas passagens com um tom de lirismo, poesia e quiçá engraçado.
Na citação abaixo podemos observar a beleza da narrativa da morte:
“Cleópatra: Vem, feiticeira da morte! Desata com tua língua pontiaguda o nó da minha vida! Sê colérico, pobre animal venenoso, e acaba!
Carmiana: Oh estrela do oriente!
Cleópatra: Silêncio, silêncio Carmiana! Não vês o meu filho no seio? Está mamando de sua ama-de-leite adormecida...(morre)”.(Benedetto, Os Suicidas, 2005 Globo, pg. 151)
Acho que a solicitação mais fidedigna da pessoa que busca a própria morte é um grito de ajuda, de esperança e a busca de um sonho. Por outro lado, a “razão” muitas vezes nos trai e tenta encontrar as justificativas que ajude o indivíduo precipitar a cena fatídica.
Logo no início o autor trás a seguinte citação de Camus: “Todos os homens sãos pensaram em suicídio alguma vez” . É reconfortante porque todos nós, em última instância, algum momento, já delegamos ao Criador retirar a nossa própria vida para fugirmos de alguma dor. Passar essa responsabilidade para quem nos deu a vida é minimizar o peso e angustia da escolha da morte.
O impasse entre a vida e a morte ou nosso paradoxo é conviver e aceitar a absoluta solidão frente às nossas escolhas. È por essa razão que, em todo ato de morrer, sobrevive à possibilidade do espanto diante da inapreensão da finitude e, simultaneamente, o gozo, fruto da alternativa do descanso absoluto. Requer-se em toda atitude para a vida uma maior percepção da beleza e o sentimento de compaixão.
O esforço de Benedetto não foi em vão para nos falar de uma temática onde o foco é a morte. Faz cada um de nós refletir sobre um tema tão denso num formato mais leve. Assim mesmo, ao final da obra estamos com um gosto amargo na boca: tristeza, melancolia, frustração? O autor vai tecendo uma narrativa fragmentada até o clímax da última cena. Vida e morte, beleza, delicadeza e sutileza estão representadas no final:
“...ela me chama e pergunta se há alguma coisa que eu não consegui fazer embora o desejasse muito”.
“...ocorre lhe perguntar o que ela gostaria de ter sido”. ...”responde, de um modo muito suave: a passageira de um avião que não descesse nunca”. (Benedetto, Os Suicidas, 2005, Globo, pg. 163). O grifo é meu porque simboliza a dificuldade de lidar com a realidade.
...”Encontro-a no living, está deitada no sofá e já está morta”.
...”Releio o papel que a Marcela sujeitou com o frasco dos comprimidos... “Não o faça, eu te peço.”
...”Devo me vestir porque estou nu. Completamente nu. Assim se nasce.”
Essa é a sensação diante de um suicida. Ficamos expostos, impotentes, frágeis e perplexos.
Por fim, penso que diante de escolha tão extremada devemos não questionar o por que mas, fundamentalmente, o para que? O porquê nos dá as razões para atestar o ato de morrer – qualquer resposta é estática. As respostas advindas do para que nos remete às possibilidades de criarmos alternativas para nossas dificuldades – é dinâmica, busca saídas. Não podemos esquecer que viver requer sempre uma atitude que priorize o movimento.
Gostaria de salientar que a questão abordada aqui resume todas as mortes, o suicídio de nossos prazeres, desejos, de nossos sonhos e esperanças.
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